Batimento Cardíaco

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Descida aos infernos do serviço de saúde pública # 4

Quarta-feira, tarde, não sei as horas, ainda não tenho relógio nem telemóvel. Uma auxiliar vem apresentar-se e anuncia que se precisar de alguma coisa ela estará por ali, ensina-me a usar o mecanismo da cama, diz-me onde está a luz e a campainha para a chamar. Gosto da sua atitude despachada. Mais análises de glicémia, antes de sair do SO fui avisada para recusar a comida, se fosse chamada para a ressonância a tarde passa e sinto fome. Em dois dias comi um iogurte, duas bolachas, um pão com manteiga e um copo de café com leite. Dezoito horas [já tenho telemóvel], entra uma médica que me questiona sobre o que me levou ali. Mais testes, mais dedos a tocar no nariz, mais dedos que mexem, manda-me esperar um pouco antes de sair, demora... mas volta com mais duas médicas. Avisam que vão fazer-me um teste de colírio. A pupila reage, elas reagem de contentamento, já não vão precisar fazer a ressonância, eu reago de contente porque percebo que não tenho um problema neurológico. Dão-me o nome do problema, dizem que tenho de voltar a oftalmologia, querem completar o exame neurológico, tenho de me levantar e vir andar para o corredor, piso uma das linhas que dividem os mosaicos. Estou capaz de saltar de contentamento, estupidamente acho que ainda me vão dar alta naquele dia. Engano-me.
Janto. Durmo mal, tenho de continuar com o soro, continuo a ser picada regularmente nos dedos, para controle de glicémia. De manhã tenho de esperar que me venham desligar o soro para tomar duche, depois espero que o venham ligar quase toda a manhã. É feriado, o pessoal está reduzido, voltam a ligar-me o soro perto da hora de almoço, à noite quando vêm trocar o saco esta mais de meio, é deitado fora e metem um novo. Sexta feira, mais espera para desligarem o soro, tenho pressa para tomar duche, tenho consulta de oftalmologia marcada para as nove. O pessoal continua a ser reduzido, tolerância de ponte. Pudessemos nós doentes poder fazer tolerância de doença. Não podemos. Comer a correr com a auxiliar a olhar para mim à minha espera para me levar ao serviço. Nove em ponto quando chegamos lá. Os médicos estão dentro do consultório a conversar e a preparar os processos [achei eu], a auxiliar avisa quem eu sou, a 'minha médica' sorri e acho-a simpática, manda-me esperar na sala. Espero. Dez e meia e ainda não foi chamado ninguém para as consultas, os nomes que se ouvem é para o gabinete de medicão de tensão ocular e outros testes. Quinze para as onze quando se chamam os primeiros pacientes, pergunto-me porque marcarão eles consultas a partir das nove. Um senhor de mais idade refila porque tinha consulta para as 10.30, está mais de 15 minutos atrasado. Mal eu sabia que o senhor seria atendido bem antes de mim. Onze. Meio dia. Uma da tarde. O médico que me acompanhou desde a urgência de oftalmologia até às consultas entra vindo das urgências, franze a testa e pergunta se ainda não estou despachada... pois não... não estou... entra no gabinete e sai chamando-me. Não estava lá nenhum paciente fazia tempo. Ainda hoje não percebo porque não me chamou. A sensação que me passou é que estava a fazer um frete por me atender, depois de fazer novamente o teste do colirio saí novamente, com os outros dois médicos, fico sózinha no gabinete cerca de meia hora. Voltam, feliz e contente por se perceber claramente que a pupila contrai com o colírio. Cheira-me a café e cigarros. Não consigo deixar de a odiar naquele instante e odiar-me a mim por ter gostado dela ao primeiro olhar. Não sabe respeitar um doente. Escreve no dossier do processo, conferenciam entre eles sem nenhum deles falar directamente comigo. Sem aguentar pergunto o que tenho, que nome lhe dão. Não me responde logo, ao mandar-me levantar para ir com ela diz o nome. Saimos as duas do gabinete com ela a mandar-me esperar um pouco enquanto pousa o dossier em cima do balcão do serviço, não há ninguém por ali, só eu e ela, vira-me as costas e desaparece, nem percebi que tinha ido embora. Fico ali, assim, sem saber nada em concreto. A auxiliar vem e telefona para o serviço de Neurologia. Podem vir buscar-me. Mas eu concretamente não sei nada. Será que pareço uma analfabeta? Ignorante? A quem achará aquela médica que deve falar sobre o que se passa? Não sou eu a paciente?
Volto a Neurologia, as auxiliares estão indignadas pelo tempo que me fizeram esperar. Já tinham telefonado para lá para saber o que se passava.
A médica Neurologista aparece por volta das 15. Não é neurológico. Vou ter alta. Sem me conter pergunto-lhe se imagina o que estou a sentir. Entrei e vou sair exactamente da mesma maneira. Não sei o que tenho. Não sei se tem cura. Se tem tratamento. Se acaba por passar sozinho. Não sei que cuidados ter. Não sei se precisa de algum cuidado. Sei o nome, irónicamente sorrio e digo já não ser mau saber pelo menos o nome...
Tenho a sorte de 'apanhar' aquela médica, sinto que se preocupa... diz que vai falar com a médica de oftalmologia. Volta e diz que não a encontrou, mas que falou com colegas do serviço, não sabe quanto tempo demora a passar ou se chegará a passar, deixou a indicação de que têm de me marcar nova consulta de oftalmologia para falar com os médicos. Que vai passar uma carta para a médica de familia e um relatório que tenho de trazer no dia da consulta. Sinto que se sente culpada por não poder fazer mais. Não tem culpa, não é ela...
Espera de quase duas horas, já vestida e pronta para sair, pelo fim da reunião de mudança de turno de enfermagem, preciso dos documentos e que me tirem o cateter [ou lá como se chama isto]
Aqui estou eu... livre do cativeiro e do pesadelo de estar lá dentro mas sem avançar quase nada naquilo que não sei ao certo o que é...
A solução está em arranjar dinheiro e pagar a um especialista particular, mesmo que não possam fazer nada sabem pelo menos explicar o que se passa...
É este o nosso serviço público de saúde... é assim que nos tratam... é assim que nos sentimos tratados... demasiado triste... mas realidade.

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