Batimento Cardíaco

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Descida aos infernos do serviço de saúde pública # 3

Terça-feira final da manhã, ainda nem tinha bem sentido a maciez da cama no Hospital dos Capuchos e já me estavam a avisar que não pertencia ao hospital, que teria de ser transferida para o Hospital Amadora/Sintra. Uma ressonância sai cara, caríssima... e mais importante que resolver a vida dos pacientes é passar a bola a outro e não ao mesmo.
Espera por novo transporte e desta vez rumo de ambulância até à Amadora. Convém lembrar que era uma doente internada em Neurologia que estava a ser transferida de hospital... mas o espanto tomou conta de mim quando fui 'largada' no serviço de urgência, de pijaminha e chinelos à espera de ser chamada para a triagem. A hora de entrada a registar era a das 14.55. Sentadinha na sala de espera interior [nada mau...podiam ter-me mandado para a exterior, a que fica junto à entrada do hospital], lá me preparei para esperar, meia hora e fui chamada à triagem, continuava sem entender porque estava ali, achei que ia ser apenas uma transferencia de internamento, já que me faltava apenas a ressonância para fazer. Pois é... enganadinha de todo, as horas foram passando e eu fui esperando, sentadinha na sala de espera das urgências [a interior, menos mal], e esperei... e esperei... e desesperei até ouvir o meu nome ser chamado pelos altifalantes... olhei para o relógio do corredor enquanto me dirigia ao gabinete anunciado, meia noite e um quarto... nada mau... esperei um bocadinho... em pijama e chinelos e sem comer nem beber, já que o espólio tinha sido dado a familiares no outro hospital. Nove horas de espera na sala de urgência de um hospital, vindo transferida do serviço de Neurologia de outro. Nove horas de espera para depois entrar no gabinete e em menos de cinco minutos o médico dizer que tinha então de ficar internada para realizar a ressonância... nove horinhas... estaria eu num filme de terror?
Tira o pijama, veste uma batinha [ou seria antes um pedaço de tecido com atilho no pescoço?], cuequinha de rede, chinelinho é mentira... fico com os meus. maca, encostada às outras que ali estavam, encostada...literalmente encostada, bastaria esticar um dedo para tocar no senhor do lado... que por acaso estava cheio de gases... coitado que estava doente... coitada de mim que entrei ali a ver mal e se por ali continua-se sairia na certa com outras maleitas. O auxiliar percebe e apercebe-se do que se passa, leva-me para o corredor... quase duas da manhã quando me levam para o serviço de SO, chocante como nunca pensei que fosse, ali as pessoas amontoam-se nas enfermarias, nos corredores, as macas são posicionadas nos corredores lado a lado, ali passa apenas uma pessoa pelo meio delas, fico no corredor, apetece-me tapar os ouvidos para deixar de ouvir os gemidos, os escarros puxados, fecho os olhos com força e tenho pena de mim, dos outros que ali estão. Bem vinda ao inferno é o que penso repetidamente.
Não como nada desde a uma da tarde, são duas da manhã, alguém me vem picar o dedo para controlar a glicémia, acuso 64.
-Há quanto tempo não come?
-Desde as 13.
Desaparece e volta de seguida com um iogurte e um pacote de bolachas. Coloca-me o soro.
-Preciso mesmo disto?
-Claro, se não precisa-se não lho estava a colocar. Vai doer um bocadinho quando começar a correr.
Não doí.
Dormito, sinto-me tão cansada, preciso de dormir, mas aqueles barulhos entram-me na cabeça e apenas deixam que feche os olhos. Um médico aproxima-se de mim e pergunta se me mediram a tensão ocular, não sei responder, digo que fui observada em vários aparelhos, mas que não sei se me mediram a tensão ocular. Não sei. Chega a manhã, rodam-se os turnos, enfermeiros passam informações de cada paciente, depois os médicos... tantos... mais de dez na certa, vêm juntos, uma médica à frente fala alto a situação de cada paciente. Irrita-me a maneira como diz 'Este doentinho...' antes de começar a falar do caso. Chega a minha vez, diz que estou transferida dos Capuchos, diz que não fui vista por um oftalmologista, estou acordada, consciente e lucida, tento dizer que fui vista sim, ignora-me, sou invisivel!
Dez horas, já tomei duche, já comi pão com manteiga e café com leite. Uma médica aproxima-se da minha maca e tira o processo sem me dirigir palavra, vai embora com o dossier nas mãos. Fui apanhada de surpresa. Volta cerca de uma hora depois, tem os olhos vermelhos como se estivesse estado a dormir. Manda um auxiliar levar-me à urgência de oftalmologia. Sou empurrada. Onze, meio dia, uma... sou atendida, já passei 'pelas brasas' enquanto esperava, afinal ali está mais calmo, sem grandes barulhos e eu continuo deitada na maca. Sou chamada, digo que posso andar e entro no gabinete pelo meu pé. Mais aparelhos, luzes... não reage, reage pouco... não é um problema oftálmico. Mandam-me de volta para o serviço, preciso fazer a ressonância. Alguém ocupou o meu espaço no corredor do SO, a maca é enfiada para dentro do gabinete onde guardam o material de consumo, gavetas alinhadas com etiquetas indicam onde estão as compressas, as seringas, os adesivos... espero ali cerca de hora e meia até a cama ficar vaga no serviço de Neurologia. Levam-me até à cama de maca, aviso que posso andar, mas mais uma vez sou ignorada, 'ginástica' feita para a maca entrar dentro do quarto que não é grande, passo para a cama sem tocar no chão...sinto-me ridicula por o fazer...

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