Batimento Cardíaco

terça-feira, 14 de agosto de 2007

SAWABONA

«Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio desle milénio. As relações afectivas também estão a passar por profundas transformações e a revolucionar o conceito de amor. O que se procura hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, nas quais exista individualidade, respeito, alegria e prazer em estarem juntos, e já não uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar. A ideia de uma pessoa ser o remédio para a nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico, parte da permissa de que somos uma fracção e precisamos encontrar a nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, históricamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona as suas caracteristicas, para se moldar ao projecto masculino. A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz : o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se sou calmo, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência, e pouco romântica por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos a trocar o amor de necessidade, por amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão a perder o pavor de ficarem sozinhas, e a aprender a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão a começar a perceber que apesar de se sentirem fracção, estão inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fracção. Não é principe ou salvador de coisa alguma. É apenas um companheiro de viagem.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de se ir reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou.

Estamos a entrar na era da individualidade, o que não tem nada a ver com o egoismo. O egoísta não tem energia própria; ele alimenta-se da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possivel para aqueles que conseguirem trabalhar a sua individualidade. Quanto mais o individuo for competente para viver sózinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva. A solidão é boa, ficar sózinho não é vergonhoso. Pelo contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sózinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. O nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes pensamos que o outro é a nossa alma gemea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto. Todas as pessoas deveriam ficar sózinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir a sua força pessoal. Na solidão, o individuo entende que a harmonia e a paz de espirito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele torna-se menos critico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Neste tipo de ligação, há a empatia, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes temos de aprender a perdoar-nos a nós próprios...

*

P.S.: Caso tenha ficado curioso em saber o significado de SAWABONA, é um cumprimento usado no Sul de África e quer dizer 'Eu respeito-te, eu valorizo-te, tu és importante para mim.'

Em resposta as pessoas dizem SHIKOBA, que é 'Então, eu existo para ti'.»

Flávio Gikovate, médico psicoterapeuta - Sobre estar sózinho-



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