Batimento Cardíaco

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Família#

Ontem olhava para o D. , para a alegria dele na chegada dos avós a casa, por começar a cantar os parabéns ainda antes da chegada do bolo. Absorvia-lhe os gestos nos chamares de atenção, na excitação de estarmos todos sentados à mesma mesa. Gritava 'todos' repetidamente e depois dizia o nome de cada um. Fez-me pensar que nunca senti tanta proximidade assim dos meus avós. Apenas conheci os avós paternos, um avó que chorava e ria ao mesmo tempo e que passava o dia inteiro numa cama, pedindo ajuda para o virarmos. Morreu quando eu tinha 9 anos, nunca tinha visto um morto na minha vida, não sei porque a minha tia o destapou quando chegamos. Hoje percebo porque é que a minha mãe nos arrancou dali dando a desculpa que precisavamos beber um galão quente. Mas não foi a tempo, ainda hoje é aquela a última imagem que tenho dele. Mas também me lembro de quando nos sentavamos em cima da cama dele para jogarmos às cartas. Tinha um baralho daqueles de cartas pequeninas, achava-lhe piada, mas nunca me deixaram jogar, diziam que era pequena demais. Mas apesar de não saber jogar, teria gostado de segurar nas mãos pequenas aquelas cartas pequeninas. Depois cresci, mas o meu avô já não conseguia sentar-se na cama, e acho que se tinha esquecido de como se jogava às cartas. O baralho continuava em cima da mesa de cabeceira do lado dele, mas naquela altura já estava inutilisado com a ausência de algumas cartas. Mesmo assim, lembro-me de ficar por ali a baralhar as cartas como se fossemos os dois jogar uma partida. Depois ele pedia-me para eu o virar e eu empurrava-o com a força que uma miúda de sete ou oito anos pode ter. Agradecia-me com um sorriso na cara e as lágrimas a caírem.
Nunca brinquei com ele.
A minha avó era uma mulher dura. Calejada da vida acho eu. Não deve ter tido uma vida fácil, mas sobreviveu, teve uma dúzia de filhos e viu oito deles a crescerem, às vezes de longe. Deveria gostar deles à sua maneira... também... não teve uma familia convencional, desconfio que não devia ter sido desejada pela sua mãe... quem sabe teria apenas sido um deslize... uma vergonha... nunca se falou muito disso. Cresci com ela por perto, nunca me apertou nos braços, nunca me deu grandes beijos, mas lembro-me do peso das mãos dela quando me ouvia tratar a minha mãe por tu. O você ainda é utilizado hoje, ganhei-lhe o hábito e nunca o conseguirei perder. Apesar de tudo gostava dela, ajudava-a com os sacos, chamava-a para as refeições lá de casa, escutava-a na hora do terço, e achava que a devia ajudar a arrumar a casa porque estava velhinha. Mas isso saiu-me caro. Desconfiou de mim, fez-me chorar e jurar que não tinha sido eu [não fui], fez-me sentir vergonha e desespero. Descobriu-se tudo. E eu descobri que já não gostava dela como antes, descobri que já não sentia vontade de a ter por perto. Só a ía chamar quando era obrigada. Cresci. Amaciei com ela. Perdooei. Cortava-lhe os bigodes e arranjava-lhe as unhas. Quando estava distraída punha-me a olhar para ela à procura das parecenças que diziam termos as duas. Não foi apenas culpa minha, foi das duas. Hoje quando vejo algumas pessoas falarem da proximidade que tiveram dos avós, tenho pena de não ter estado assim tão próximo dos meus. Olho para o D. , para a paixão que ele tens pelos dele e peço a Deus que o ajude a crescer com eles sempre por perto. Porque sinto a sorte que ele tem de ter pessoas assim que o amam com um amor de tal maneira grandioso que se torna dificil de descrever. Somos felizes.

1 Comentários:

  • Ás vezes passo por aqui, vejo os textos, confesso que um pouco na diagonal, mas gosto da forma simples com que "mostras" as coisas.
    Hoje, dei de caras com este texto, possivelmente já o teria visto, mas só hoje o li, como ele merece ser lido... é forte, intenso, revelador, profundo e acima de tudo, fez-me pensar na relação com os avós. Fez-me lembrar os meus. Não conheci o materno e perdi a materna, há uns anos, com os que me restam, o fascínio continua a ser um pouco como o que descreves com o [D.]...
    A família não se escolhe, mas acho que se aprende a gostar...

    :-), obrigado por este bocadinho. Bom resto de Semana.

    Por Blogger Zé Carlos, Às 20 de fevereiro de 2008 às 13:26  

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